III Domingo do Advento - ano B - Frei João Santiago
III Domingo do Advento (João 1,6-8.19-28)
Alguns dizem que estamos sozinhos: são os ateus. Outros dizem que mesmo havendo Deus, ele não interage conosco: são os deístas. Nós cremos que não estamos sozinhos e que o Senhor Deus interage conosco, vem ao nosso encontro, aponta um sentido maior para além das incógnitas (as grandes perguntas que fazemos à vida: “Por que isso acontece?” “Por que tem que ser assim?”). Alguns veem Deus na natureza. Outros veem a Deus na história, na vida. Mas existe uma forma privilegiada do Senhor Deus se mostrar. É através de testemunhas: “Apareceu um homem enviado por Deus, chamado João. Veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos acreditassem por meio dele” (vv. 6-7).
O desespero do náufrago leva-o a agarrar-se a qualquer coisa que esteja ao seu alcance a fim de livrar-se do afogamento que o espera. Aqui mora um perigo. Não é por acaso que tantos aproveitadores aparecem em épocas de desespero. Ao endividado aparece os empréstimos com altíssimos juros. Ao enfermo aparece o curandeiro. Para a pessoa solitária aparece algum aproveitador. Ao culpado aparece uma seita ou uma “igrejinha” na esquina que promete redenção. Não é por acaso que pululam os líderes religiosos e a iniciação ao mundo das drogas: ofertas que crescem num mundo marcado por falta de um sentido maior, pela falta de luz.
A “luz”. Como é bom discernir o certo do errado, a luz das trevas, o bem do mal. Como é bom saber o que é a direita e a esquerda. Como é bom ter luz na vida, saber por onde se anda, aonde se vai. Como é bom ter luz, ter Deus na vida. A luz de Deus nos “fala e explica sobre”, nos ilumina sobre a vida e sobre a morte, sobre o valor e a sacralidade da família, sobre o respeito que deve haver entre os casais e entre os pais e os filhos. A luz de Deus nos ilumina sobre o valor do trabalho e do descanso, sobre a velhice e a enfermidade. Ilumina-nos sobre a verdade e a mentira, sobre a simplicidade e o esnobismo. Esclarece sobre a importância da oração e do conhecimento. Ilumina-nos sobre tantas coisas. Precisamos de luz, de testemunhas iluminadas como São João Batista, e não de aproveitadores que se dizem luz, que chamam as pessoas para eles mesmos e não as levam para a Luz maior:
- “... Ele confessou a verdade e não negou; ele confessou: ‘Eu não sou o Messias’. Eles perguntaram-lhe: ‘Então, quem és tu? És Elias?’ ‘Não sou’, respondeu ele. ‘És o Profeta?’. Ele respondeu: ‘Não’. Disseram-lhe então: ‘Quem és tu?’ ... Ele declarou: ‘Eu sou a voz do que clama no deserto: ‘Endireitai o caminho do Senhor’, como disse o profeta Isaías’. ... ‘Eu baptizo em água, mas no meio de vós está Alguém que não conheceis: Aquele que vem depois de mim, a quem eu não sou digno de desatar a correia das sandálias’” (vv. 19-27).
Entender a vida, entender quem somos! João se entendeu, se descobriu, falaram dele: “... homem enviado por Deus ... Veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos acreditassem por meio dele” (vv. 6-7); e ele falou de si: “Eu não sou o Messias ... Eu sou a voz do que clama no deserto: ‘Endireitai o caminho do Senhor’” (v. 23). João era a voz.... e eu sou quem? Interessante que quem sou eu “casa” (tem a ver) com a minha missão. João era a voz que clamava no deserto. O mistério de João era o mistério de um clamor no deserto. João era um apelo, um desejo, um grito, um clamor, que acreditava que um jardim pode nascer em qualquer que seja o deserto que estejamos atravessando. Nesta travessia importa endireitar os caminhos errados, e não os justificar. Importa buscar o Senhor, e não ideias e concepções de Deus que podemos criar a fim de justificar nossas más ações. João, no Evangelho de hoje, fala de si (“Eu sou a voz....”). E você, leitor?
“Veio como testemunha” (v. 7). A palavra “testemunha” significa martírio. Importa que eu seja fiel aos princípios do Evangelho, custe o que custar. Não se pode negociar certos valores. Não se pode negociar a verdade, a fidelidade, a honestidade, o amor a Deus e o bem ao próximo.
Caso prestemos atenção João Batista se faz instrumento, se faz porta voz, se faz pequeno e aponta os holofotes para o grande outro, não para ele. Antes de João há a Palavra. Ele permite que a Palavra ecoe através dele. Que todos nós sejamos uma presença nessa terra, presença de um grande outro, embaixadores do grande Rei. “... Entre os enviados havia fariseus que lhe perguntaram: ‘Então, porque baptizas, se não és o Messias, nem Elias, nem o Profeta?’ João respondeu-lhes: ‘Eu baptizo em água, mas no meio de vós está Alguém que não conheceis: Aquele que vem depois de mim, a quem eu não sou digno de desatar a correia das sandálias’” (24-27).
Como é apaziguador encontrar alguém que nos transmita a serenidade, mesmo perante dramas e tragédias. Quem encontrasse João era direcionado para uma luz maior, o Messias, o Príncipe da Paz. Pensemos: quem nos encontra é direcionado para...., e lembremos que só gera quem foi gerado. Apontarei uma luz no fim do túnel somente se eu já estiver visto tal luz. Escuto a voz, a Palavra do arcano?
“Endireitai o caminho do Senhor” (v. 23). Esperar contra toda desesperança”. O profeta nos desinstala, nos desassossega, nos desacomoda. Que ninguém se instale na zona de conforto, na própria tristeza, nem no próprio desanimo. O profeta nos estimula a acolher os desafios de Deus e nos convida a pôr-se a caminho com Deus em direção a um futuro novo de vida e de esperança. Por isso se diz na missa: “Corações ao Alto... o nosso coração está em Deus”.
“Eu baptizo em água”. Vamos ao batismo de João, deixemos a vida das trevas e aticemos e acordemos o desejo de uma nova vida. Eis o primeiro passo para acolher a Luz. O batismo de João implica abandonar a mentira, os comportamentos egoístas, as atitudes injustas, os gestos de violência, o comodismo, a autossuficiência, tudo o que desfeia a nossa vida, nos torna escravos e nos impede de chegar à verdadeira felicidade.
Em termos pessoais, quais são as mudanças que eu tenho de operar na minha existência para passar das “trevas” para a “luz”? O que é que me escraviza e me impede de ser plenamente feliz? O que é que na minha vida gera desilusão, frustração, desencanto, sofrimento?
“Mais e mais”. A vida ganha mais sabor e cor quando deslindamos nela, a cada dia, um vislumbre maior: a cada dia uma novidade que enche de satisfação o viver. Não é por acaso que a criança seja vivaz e inquieta: tudo por aprender hoje e o amanhã “só promete”. João prefere “desvalorizar” o seu batismo com água e apontar para “aquele” que vem e a quem João não é digno “de desatar as correias das sandálias”. Esse é que é “a luz” que vai libertar o homem da escuridão, da cegueira, da mentira, do egoísmo, do pecado. É como se João dissesse: “Não vos preocupeis com o batismo com água que eu administro, pois ele é, apenas, um símbolo de transformação e de adesão a uma nova realidade; mas olhai antes para essa nova realidade que já está no meio de vós e que o Messias vos vai oferecer e vos fará livres e lhes dará a vida definitiva. Esse que vem batizar no Espírito já está presente, a fim de iniciar a sua obra libertadora. Procurai conhecê-lo, isto é, escutá-lo e acolher a sua proposta de vida e de libertação”.